Apesar de ainda não ter reflexo nas estatísticas oficiais, a saída de estrangeiros - sobretudo ucranianos -, a par da desaceleração das novas entradas, é uma certeza apontada pelos estudiosos do fenómeno migratório. "Só daqui a um ou dois anos é que esta diminuição terá efeitos estatísticos, porque o imigrante, quando se vai embora, não vai ao centro avisar, aliás, muitas vezes o que acontece é que eles retiram-se mas mantêm activo o visto para Portugal deixando aberta a possibilidade de voltar", explica Pedro Góis, investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. Ilegais entre "55 a 75 mil" No caso dos ucranianos, eram 41.530 em 2006. Em 2007, baixaram para os 39.480. Os números de 2008 deverão demonstrar nova diminuição. Mas longe ainda da "fuga" registada na realidade. "A maior parte escolhe a República Checa ou a Polónia - países de Leste mas mais próximos da União Europeia que começam a crescer em termos económicos", diz Góis. Há também os que vão trabalhar em Espanha "e vêm a Portugal só para renovar documentos", como afirma Manuel Solla, da Comissão Nacional para a Legalização de Imigrantes. Segundo Solla, a saída de ucranianos ocorre sobretudo entre os ilegais. "Já são menos de metade". O mesmo com os brasileiros. Com um total de 66.354 legais, estes perfaziam, em 2007, a maior comunidade de estrangeiros. Agora, e apesar de o salário mínimo português continuar a triplicar o brasileiro, "há indícios de retracção neste fluxo, seja pela desaceleração de entradas seja pelo regresso de muitos ao Brasil", aponta Góis. Todos concordam que um cenário de retracção dos imigrantes será fatal. "O país só ganha em suster os imigrantes que tem", avisa Eduardo Sousa Ferreira, professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão e autor de um estudo sobre a contribuição dos imigrantes para a economia portuguesa. "A imigração contribui para seis por cento do PIB, o que é uma percentagem enorme", acrescenta, convicto de que "a alternativa à entrada de imigrantes é uma muito maior estagnação da economia". Os 420.189 imigrantes que, no final de 2007, se encontravam em território nacional, segundo o SEF, perfazem cinco por cento da população do país e oito por cento da população activa. Aqui não entram em linha de conta os ilegais. Serão entre "55 mil a 75 mil", nas contas de Solla, para quem, mais do que preocupar-se com quotas, o Governo devia "dar autorizações de residência a quem, tendo entrado de forma irregular, tenha contrato de trabalho válido e contribua para a Segurança Social". Tal nem sempre acontece, segundo Eduardo Sousa Ferreira, "porque há um custo administrativo associado e, por outro lado, os empresários também não estão interessados nisso, porque um ilegal tem um grau de obediência que não teria se estivesse legal". Dito de outro modo, "os empresários portugueses aproveitam para ganhar mais à custa dos imigrantes e o Governo não está interessado em contradizê-los". Algarve com mais bebés Pedro Góis nota que Portugal até tem sido muito generoso com os imigrantes. "Desde 1992 que há sucessivas campanhas de regularização", recorda. E o mais urgente, para o investigador, é contrariar a lógica xenófoba que ameaça irromper ao virar da esquina. "Os imigrantes não são parasitas, são contribuintes líquidos para a nossa economia", enfatiza. Sublinhando que "as diferenças salariais entre Portugal e Luxemburgo vão continuar a ser elevadas", Góis lembra que "se o país der sinais de racismo e xenofobia, alguns dos melhores imigrantes, que já cá entram qualificados, vão-se embora". O que é mau. Culturalmente, "a diversidade é aquilo que fará avançar o país". Demograficamente, "os imigrantes são quem nos garantirá a sustentabilidade económica". Porque "os imigrantes são essenciais à nossa dinâmica geográfica" é que Leston Bandeira, da Associação Portuguesa de Demografia, assiste horrorizado aos políticos com um discurso a puxar para a diabolização dos imigrantes. "O que os políticos tinham a obrigação de fazer era acalmar as pulsões xenófobas e racistas das camadas mais baixas - que são as mais xenófobas porque vêem no imigrante um concorrente". Em Portugal, como no resto da Europa. "É um absurdo, mais não fosse porque as projecções feitas o ano passado pelo Eurostat mostram que até 2035 os países vão conseguir crescer graças à imigração. A partir de 2035, a imigração já não chegará e, aliás, vai passar a haver uma grande competição entre países para ver quem consegue atrair mais imigrantes", antecipa Leston. Por estes dias, a importância dos imigrantes lê-se, por exemplo, nas projecções do INE segundo as quais, sem imigrantes, a população residente em Portugal descerá em 2060 aos 8,2 milhões. No final de 2007, éramos 10.617.575 milhões, mais 18,5 mil do que em 2006. E este crescimento baseou-se unicamente na entrada de imigrantes, já que Portugal registou nesse ano - pela primeira vez desde 1918 - um saldo natural negativo (mais mortes do que nascimentos). Entre 2002 e de 2007, o salto populacional foi de 270 mil pessoas. Para este acréscimo, o saldo migratório contribuiu 91 por cento e o natural apenas nove por cento. Ora, mesmo nos nascimentos os imigrantes são importantes, já que, como salienta a investigadora Maria José Carrilho, numa análise à situação demográfica em Portugal, as estrangeiras foram responsáveis por 9,7 por cento dos bebés nascidos em 2007. Se somarmos os casos em que é o pai a ter nacionalidade estrangeira, a percentagem sobe para os 11,8 por cento. Não por acaso, o Algarve passou a perna ao Minho e é hoje a região portuguesa com maior taxa de natalidade. "O Algarve está com uma fertilidade parecida com a Suécia, de 1,8 filhos por mulher, contra uma média nacional de 1,33 filhos por mulher. E isso devese às imigrantes que se fixaram na região para trabalhar na restauração e nos serviços", aponta Bandeira. Não é só por causa dos turistas que o Algarve fala estrangeiro. Quotas obedecem "à lógica do analfabeto" A fixação de quotas através das quais o Estado procura limitar a entrada de imigrantes extracomunitários "falhou sempre, mesmo quando era mais generosa", diz Pedro Góis. Porquê? "Porque o Estado não controla a economia, que, de resto, é muito mais dinâmica do que o Estado consegue prever", precisa o investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Por isso é que, reforça Manuel Solla, da Comissão Nacional para a Legalização de Imigrantes, a recente redução em 56 por cento da quota de imigrantes extracomunitários - baixou de 8.600 para 3.800 - tem uma relevância prática igual a zero. "No ano em que a quota admitia 8.600 pessoas, foram recrutadas 5.000 e não acredito que no Brasil, Senegal ou em Angola, não existissem interessados naquelas vagas: o que não houve foi divulgação das ofertas porque Portugal nunca teve uma política de divulgação das necessidades de mão-deobra no exterior". Acresce que o diagnóstico das necessidades em termos de trabalho "demora muito tempo a ser aprovado" e, quando "finalmente é aprovado, as empresas já decidiram recorrer a ilegais", acrescenta Solla. Pedro Góis concorda. E acrescenta que "entrar na quota exige todo um processo consular demorado a que muitas vezes as empresas não recorrem porque lhes é mais fácil angariar a mão-de-obra localmente". Assim, a fixação de quotas "serve para dar a ilusão de controlo e para convencer os portugueses de que podem estar descansados porque o Governo não deixa que ninguém lhes tire o emprego", reforça o investigador Eduardo Sousa Ferreira, lamentando que as quotas estejam eivadas desta "lógica do analfabeto". N.F. Programa de regresso voluntário Em cinco meses, 571 imigrantes pediram ajuda para voltar Imigrantes sem meios para comprar o bilhete para casa podem recorrer ao programa Chegaram do Brasil, Ucrânia, Angola, Rússia, Cabo Verde. Vieram para ser trolhas, empregadas de limpeza ou de restaurantes e cafés. Mas são cada vez mais os que vêem seu projecto migratório esbarrar a alta bolina no desemprego ou na impossibilidade de conseguir papéis. Em 2008, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) apoiou financeiramente o regresso de 347 imigrantes aos respectivos países de origem. Nos primeiros meses de 2009, esse número já quase duplicou, com um total de 571 pedidos de ajuda. Destes, 491 estão à espera e 80 já regressaram. "São pessoas que foram notificadas para abandonar o país, por estarem ilegais, ou pessoas que até têm autorização de residência mas não conseguiram arranjar trabalho nem meios de subsistência para continuar cá", caracteriza Mónica Goracci, chefe de missão deste projecto intergovernamental. Entre os que conseguiram ajuda financeira para regressar preponderam os brasileiros, seguidos, a larga distância, dos angolanos, ucranianos, cabo-verdianos, russos e guineenses. Apesar de estarem muito longe de traduzir a realidade nacional - porque a larga maioria dos imigrantes regressa por conta própria -, estes números são elucidativos por indiciarem que o abandono de imigrantes triplicou nos últimos meses. "Tínhamos uma média de 30 a 35 novos pedidos em cada mês e, desde Janeiro deste ano, essa média anda à volta dos 90 novos pedidos/mês", quantifica Goracci, ressalvando que o aumento decorre do agravamento da crise económica tanto como da disseminação dos "pontos de contacto" da OIM pelo território nacional: neste momento existem 19, ilhas incluídas. O Programa de Regresso Voluntário começa por ter como critério a incapacidade de os imigrantes custearem a viagem de regresso. Logo, ficam excluídos todos os que, tendo visto cair por terra as expectativas em relação a Portugal, tenham meios para voltar ao país de origem ou para mudar de rota. O programa cobre o bilhete de avião e um "pequeno subsídio de viagem". Nos casos mais vulneráveis, por exemplo de mulheres com menores a cargo que queiram iniciar uma actividade no país natal, o programa pode apoiar a reintegração até um máximo de 1.100 euros por agregado familiar. "Claro que estas pessoas têm que ter capacidade para criar o seu próprio emprego: imagine alguém que precisa apenas de uma máquina de costura para começar a trabalhar", exemplifica aquela responsável. "Alguns", conta Luís Carrasquinho, o responsável pelo programa, "telefonam a contar como correu o regresso". Nem sempre o sonho desfeito se reduz a ressentimento: "Têm consciência de que a vida não lhes correu bem porque aqui a situação é complicada para todos".
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